Juliana Paes dá nova vida a Gabriela em novela da Globo.

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Juliana Paes é a protagonista da próxima trama das 23h: “Acho que fui escolhida mais pelo que sou nos bastidores do que pelos papéis que já fiz. Não é só uma questão de sensualidade, Gabriela não tem frescuras, sabe o que quer. Eu também nunca fui mulher de frufru.”
Foto: Leonardo Aversa

RIO - Do finzinho da nuca até o início do bumbum, a coluna vertebral de Juliana Paes — mantida ereta à base de muito alongamento — tem mais ou menos uns dois palmos de comprimento. Manter a coluna vertebral esticada — assim como, por exemplo, fazer cálculos matemáticos, escrever poemas de amor, passar creminhos antes de dormir ou se encantar com os dribles do Neymar — é uma daquelas coisas que diferenciam o ser humano dos outros animais. Juliana Paes, então, poderia ser igual a qualquer pessoa que anda ereta, faz contas de cabeça, escreve versos, tem cuidados com a pele ou que se diverte com o futebol de verdade. Não é. A partir da segunda quinzena de junho, quando estreia a nova novela das 23h da TV Globo, Juliana será Gabriela.
Desde que Jorge Amado lançou "Gabriela, cravo e canela", em 1958, e, principalmente, desde que Sônia Braga a interpretou, em 1975, ser Gabriela é bem mais que ter um bom papel na TV, é um traço de personalidade — o substantivo próprio vertido em adjetivo: gabriela. Uma mistura de mar e sertão, cama e mesa, mulher e moleca, inteligência e intuição, Nossa Senhora e Iansã, branco e preto, o cravo e a canela, o amor e o sexo, a brisa leve e o furacão. Liberdade, acima de qualquer outra coisa. Quando as primeiras imagens da novela forem ao ar, Juliana estará no meio disso tudo. É um peso e tanto para carregar nos tais dois palmos de costas eretas.
— Quando recebi a notícia que seria a Gabriela, estourei de felicidade. Depois veio o medo... — confessa Juliana, "gabrielamente" esparramada num sofá, descalça, descascando uma tangerina em um intervalo da sessão de fotos. — Acho que fui escolhida mais pelo que sou nos bastidores do que pelos papéis que já fiz. As pessoas sabem como eu sou. Não é só uma questão de sensualidade, Gabriela não tem frescuras, sabe o que quer. Eu também nunca fui mulher de frufru. Nisso eu sou muito Gabriela.
Juliana é muito gabriela. Sônia Braga sempre será. Camila bem que poderia ser. Ivete é gabriela, Claudinha não é. Gaby Amarantos está louca pra ser. Gal é gabriela, Bethânia nem tanto. Dorival é muito gabriela, Caetano muitas vezes é, Chico é gabriela mesmo quando nem quer ser. Gilberto Gil é mais gabriela do que a Preta Gil. Valeska Popuzuda é a antigabriela. Luan Santana também. Neymar é supergabriela, Ronaldinho Gaúcho já foi. Garrincha era mais gabriela que Pelé. Lula em alguns momentos foi gabriela. Dilma nunca será. Já Marília adora ser gabriela.
— Quando eu era garota, Gabriela, o nome, não tinha o charme que adquiriu depois. Só quando virei repórter de TV fui me transformando em Gabi. Pontualmente, quando o assunto ou o entrevistado é mais sério, me chamam de Marília. Eu, bipolar, atendo a todos — explica Marília Gabriela, que herdou o segundo nome da avó italiana. — Mas sou muito mais moleca, mais amada porque mais gostosa, quando me ouço Gabriela, Gabi, Gabriela. Fora que adoro subverter essa coisa da imagem, e ser uma Gabriela branca como a neve, de não tomar sol de propósito mesmo e, de súbito, surpreender os incréus e mostrar o vulcão da cor da canela em terras de Jorge Amado.
Quando escreveu "Gabriela", Jorge Amado tinha 46 anos e estava virando sua carreira pelo avesso. Dois anos antes, ele abandonara a militância política — que o levara à Câmara dos Deputados pelo PCB e a escrever romances panfletários, como "Subterrâneos da liberdade" — depois que os crimes de Stalin foram revelados para o mundo todo. "Gabriela", escrito em Petrópolis, é seu primeiro romance com nome de mulher — o livro vendeu 50 mil exemplares em apenas cinco meses, um feito no mercado editorial da época. Depois viriam ainda "Dona Flor e seus dois maridos", "Tereza Batista Cansada de Guerra" e "Tieta do Agreste".
Em cada um deles, estaria presente o estilo que lhe daria a fama definitiva: as histórias de rua, o povo baiano, a sensualidade, os santos da casa, o perfume barato, a liberdade, as mulheres fortes e aquele agá que só a Bahia tem. Gabriela era um resumo disso tudo.
— Gabriela e sua história somos todos nós, todos nós as entendemos, sem precisar de explicação. São também, de uma forma ou de outra, nossa história na voz de um dos maiores romancistas do mundo, que escreveu sobre seu povo com um amor, uma ternura e um carinho que dificilmente encontrarão rival — explica João Ubaldo Ribeiro, baiano como Jorge Amado, e que prepara texto de homenagem aos cem anos do nascimento do conterrâneo. — Por isso, porque é grande arte, nunca será um sucesso passageiro, será sempre patrimônio nosso, nunca passará. E por isso todo mundo gosta de Gabriela.
O gosto pela personagem podia ser medido nas certidões de nascimento. No fim da década de 1970, o nome Gabriela era febre entre as recém-nascidas. Uma situação que mudou um pouco de lá pra cá. Na Perinatal, uma das mais concorridas maternidades do Rio de Janeiro, aparecem 37 Gabrielas registradas desde o início de 2012. O nome perde de longe para as Claras, com 74, e as Júlias, com 89, registradas no mesmo período. A estreia da novela, que apresenta uma heroína genuinamente brasileira, pode fazer o nome voltar à moda.
— Gabriela é totalmente atípica em se tratando de mocinhas de novela. Para começar, ela é totalmente indiferente ao mito da Cinderela. Subir na vida não faz parte de seus projetos. Ela vive o presente, responde unicamente a seus desejos. É justamente quando Nacib resolve enquadrá-la num estereótipo de esposa que a perde. É como diz a música da novela "O que fizeste, Sultão, da minha alegre menina?" — explica Cristiane Costa, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e autora de "Eu compro essa mulher", livro que analisa as novelas da TV brasileira. — Eu acho a Juliana Paes perfeita para o papel. Ela é uma mulher brasileira, de parar o trânsito, e tem aquele sorriso perfeito.
Juliana Paes tem 33 anos e não tinha nascido quando a novela com Sônia Braga foi ao ar. Filha de militar — que desejava um filho homem —, foi criada jogando bola e atirando com espingarda de chumbinho. Diz que nunca foi "menininha" e que continua a ser mais ou menos assim. Agora tem uma carreira de sucesso, um filho de 1 ano e meio, um salão de beleza em sociedade com a mãe e a irmã, um megahair que anda lhe dando dores de cabeça, olhos de mormaço, covinhas perturbadoras e — à maneira do personagem que vai interpretar — a crença de que as coisas vão bem para quem faz o bem.
— Gabriela é gente boa, destemida. Ela tem personalidade, é autêntica, faz aquilo que acredita ser certo. Por isso ela conquista. Gabriela tem uma pureza que desconcerta — diz Juliana, que movimentou as redes sociais com a divulgação das primeiras fotos da personagem. — Só porque apareci de pé sujo e descabelada o povo começou a falar. A Gabriela, no início da história, era uma retirante. Queriam o quê, que eu aparecesse como num comercial de xampu?
Depois que acaba a sessão de fotos, Juliana volta a atacar a tangerina. Parece continuar na personagem. Está à vontade. Ela descalça as Havaianas, coloca o pé esquerdo no joelho direito e as mãos nas cadeiras. Depois sorri. Aí, é como se a gente fosse subitamente mandado para uma praia no litoral da Bahia: a água morna, a areia branca, a preguiça, a malícia, o dengo, os coqueiros, o sal, a farra e aquele ventinho bom no fim da tarde. Coisa de quem nasceu, cresceu, é e será sempre assim. Juliana já é Gabriela, sempre Gabriela.

                                                            Créditos : OGlobo


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